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Morador de rua na Rua da Praia em tarde de domingo.(Foto: Melgare) |
Sempre acreditei que
este período que antecede o ano que acaba, e, ao mesmo tempo, já
projeta o novo ano que vem, é tempo para profundas reflexões. Nas
últimas edições tratamos de uma forma abusiva de violência, a
praticada pela especulação imobiliária contra vizinhos de seus
empreendimentos, com a chancela do Poder Público. Mas existem outras
expressões de violência que merecem ser revisitadas pela nossa
atenção.
A mais importante, por
certo, é a estrutural. A diferente condição social leva à oferta
desigual de oportunidades aos indivíduos. Muitas vezes, quando
caminho pelas ruas do centro, onde é freqüente encontrar-se pessoas
em situação de rua, fico cismando: O que seria destes pobres se
recebessem oportunidades iguais aos demais? Por quantos eu quase
tropeço pelas calçadas e escadarias, que poderiam ser como uma
Daiane dos Santos, um Barbosa, ou até mesmo uma versão tupiniquim
do grande Mandela? E utilizo estes exemplos só para sublinhar,
também, uma das mais hediondas formas de violência, que é a
racial.
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Carrinho no centro de Porto Alegre. (Foto: Eduíno Mattos) |
Quando chega a noite, e
nos dirigimos a nossas casas, para o convívio familiar e o descanso,
muitas vezes nos sentimos molestados por som alto, algazarras, e
gritarias provocadas pela violência urbana. A nossas portas
convivem: o tráfico de drogas, a prostituição, brigas, assaltos e
tiroteios. Transgressões descontroladas que, se nada for feito,
serão incontroláveis. Os pólos de atração de todo este impacto
de vizinhança da noite, com certeza, são as casas noturnas, cujo
licenciamento e controle são funções públicas. Tudo se fez, nos
limites de uma organização comunitária, para contribuir com
soluções, e apesar da nossa insistência, até hoje se aguardam
encaminhamentos.
A distribuição de
alimentos a pessoas em situação de rua é uma ação meritória que
não pode ser contestada, mas que traz em seu bojo a cristalização
de núcleos permanentes de moradores de rua. A estes se junta uma
população de egressos do sistema carcerário, refugada pela família
e pelo mercado... Com o tempo começa a se desenvolver ali o tráfico
de entorpecentes. Este é outro retrato multifacetado da violência de
nossas ruas que urge controle público.
Os espaços para
geração de renda em condições especiais, e cito como exemplos os
ambulantes e os papeleiros, estão cada vez mais restritos. Os
primeiros, traídos pelo sonho do camelódromo, permanecem excluídos
enquanto categoria. Os últimos, com a espada de Dâmocles sobre a
cabeça. Os papeleiros abrangem uma população de cerca de 50.000
almas. Por lei, em 2016, será retirado o principal equipamento de
trabalho da categoria, o carrinho. Recicladores na prática cotidiana
contribuem para a preservação da natureza e para a potencialização
da economia. Trabalham de graça numa função de interesse público
e disto tiram o seu sustento. O que será destes pobres? Como será a
vida desta verdadeira cidade subnormal incrustada em enclaves no
tecido urbano, durante o ano da Copa?
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Pedestres sem espaço nas calçadas. (Foto: Eduino Mattos) |
E nossas ruas?
Garantias do Direito Humano fundamental de ir e vir, e que se
apresentam a nós com absoluta segregação. A falta de
acessibilidade exclui a todos com necessidades especiais. As calçadas
esburacadas, que tanto vitimam idosos, cada vez menores... As ruas
dominadas pelos automóveis, que poluem, mutilam e matam mais que as
guerras, mas no asfalto são os senhores. Sempre com a razão, com
suas buzinas potentes e latarias reluzentes.
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Massa Crítica de ciclistas de dezembro. (Foto: Naian Meneghetti) |
Cuidem-se pedestres e
bicicletas! Todos pagam o capeamento asfáltico, mas ciclistas não
possuem espaços dignos e pedestres só podem dispor por breves
segundos.
Páginas seriam
necessárias para ponderar o amplo espectro de violência que convive
em nossas ruas e nas vizinhanças. O importante é refletir sobre os
fundamentos. Sobre a nebulosa fronteira entre a exploração
econômica predatória, sem respeito à natureza e à vida, e a
estrutura pública, permeada pela permissividade contemplativa. O
maior obstáculo é uma ordem econômica distribuidora de privilégios
e disseminadora de degradação. O caminho a ser desbravado e
pavimentado é da gestão pública comprometida com o interesse
ambiental e social, acima do pragmatismo eleitoral.
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Manifestação em junho deste ano contra corte de árvores na Usina do Gasômetro. (Foto: Ramiro Furquim) |
Em grande medida quem
produz a realidade é a gestão pública, que emana da política e
deriva da vontade do votante. Cabe aqui o auto questionamento do
quanto cada um de nós é responsável pelos descontroles existentes,
uma vez que majoritariamente não realizamos o controle cidadão dos
atos políticos da gestão pública.
O controle social
realizado por cada um que possui condições subjetivas de fazê-lo é
critério objetivo para a construção de melhores dias, e
manifestação viva de amor real. Um bom Natal a todas e a todos, e
um ano novo com muita cidadania.
Paulo Guarnieri
Publicado no Jornal do Centro/ edição Natal
Dezembro/2013
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